Este texto não é uma reflexão profunda sobre o processo de análise fílmica. É, na verdade, antes disso, uma introdução ao tema. Antes de tudo, porém, é importante fazer uma diferenciação: análise fílmica e crítica cinematográfica, apesar de, em muitos casos, serem usados como sinônimos, são coisas distintas. O primeiro envolve o rigor metodológico da racionalidade científica, o segundo a experiência estética do ser que comenta. Dito isso, neste texto, a minha intenção é pensar a análise fílmica e suas ferramentas metodológicas. Para isso, irei me valer de dois livros e um artigo: 1) Ensaio sobre a análise fílmica (Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété); 2) Lendo as imagens do cinema (Laurent Jullier e Michel Marie); e, por último, 3) A análise de filmes: conceitos e metodologias (Manuela Penafria).
De modo geral, como apontado por Vanoye; Goliot-Lété e Penafria, a análise fílmica é um processo que envolve ao menos duas etapas: a) decomposição de cenas em planos e b) análise das relações entre os elementos decompostos. O seu objetivo, nesse caso, é, justamente, explicar, esclarecer, o funcionamento da obra cinematográfica. Vale ressaltar, todavia, que a análise fílmica nem sempre requer uma observação minuciosa da obra como um todo. O analista pode escolher, por exemplo, uma sequência que seja importante e consiga traduzir as ideias presentes no filme.
Dito isso, podemos avançar mais um pouco.
Por outro lado, em Lendo as imagens do cinema, Jullier e Marie apresentam os objetos que devem orientar a análise. Dividindo-os, estruturalmente, em três níveis: 1) plano, 2) sequência e 3) filme completo. E, em cada um desses níveis, apontam elementos basilares que devem ser observados pelo analista. No primeiro nível, por exemplo, no plano (definido como a parte do filme situada entre dois pontos de corte), há, ao menos, cinco aspectos: 1) ponto de vista / enquadramento, 2) distância focal e profundidade de campo 3) movimentos de câmera, 4) Luzes e cores; e, por fim, 5) combinações audiovisuais
Não falarei de todos, apenas de alguns.
O primeiro, por exemplo, refere-se ao ponto de observação da cena. Com a câmera acima da cabeça, ponto de vista divino. No teto, câmera de vigilância etc. De modo geral, o ponto de vista condiciona a leitura que se fará da cena. E, por isso, necessita de três escolhas: 1) o comprimento do eixo da objetiva (próximo ou distante. Close-up ou plano geral?), 2) lateralidade (centralização ou aplicação de regra dos terços) e verticalidade (alta ou baixa). Já os movimento de câmera envolvem panorâmicas (ação similar ao ato de virar a cabeça) e travellings (deslocamento): o zoom não é um movimento de câmera. É uma variação da distância focal. Por fim, no nível do plano, as combinações audiovisuais envolvem a relação entre som (ruídos, músicas e falas) e imagem. Um ruído, por exemplo, pode construir um fator de suspense.
Por sua vez, no nível da sequência há mais cinco aspectos: 1) montagem e continuidade (elipses, raccord de movimento, raccord de olhar etc.). Por exemplo: em Inteligência Artificial, como apontam Jullier e Marie, há uma cena em que Mônica procura seu filho, um robô, na fábrica. Nela, a personagem caminha da esquerda para a direita, acompanhada por um travelling, e torna a ser captada da esquerda para a direita; em plano alongado. Eis um exemplo de raccord de movimento.
Prosseguindo, o segundo elemento do nível da sequência é a cenografia. Completam a lista: suspense, som (diegético e extra-diegético) e metáforas. Com relação a esse último, é possível citar o fato de que em O Gabinete do Dr. Caligari as janelas não são retangulares, como de costume; mas, sim, em formato triangular. De modo que, toda vez que há um cadáver, o reflexo da janela aponta para o corpo. Uma forma de dizer, por exemplo, que o mundo exterior é o responsável pela violência. Por fim, no nível do filme, há três aspectos cruciais: 1) os recursos da história (intriga), 2) a distribuição do saber e 3) o gênero e/ou estilo.
Desse modo, tendo em conta os três textos citados, é possível operacionalizar a análise fílmica da seguinte forma: 1) escolha de uma sequência, 2) separação dos planos dessa sequência observando os elementos apontados por Jullier e Marie no nível do plano, 3) repetição do processo no nível da sequência completa orientando-se, nesse caso, por seus elementos específicos. Por fim, uma introdução que aponte a intriga, a distribuição do saber, o gênero e os aspectos estilísticos do diretor.
Como disse, este texto não é uma reflexão profunda sobre o processo de análise fílmica. É sim uma introdução ao tema. Para maior aprofundamento sugiro a leitura dos trabalhos indicados: Ensaio sobre a análise fílmica (Francis Vanoye e Anne Goliot-Lété); Lendo as imagens do cinema (Laurent Jullier e Michel Marie); e A análise de filmes: conceitos e metodologias (Manuela Penafria).