É possível afirmar que tanto o espaço urbano, na forma em que o conhecemos, como também o cinema, são consequências da modernidade. Os dois, nesse caso, são frutos e perfazem a experiência da vida moderna. Estruturalmente, a metrópole moderna inaugurou um novo espaço social, com lojas de departamento, trens, ruas asfaltadas, iluminação pública etc., e essa característica tornou-a atrativa: pela primeira vez as pessoas saíam de suas casas para observar o novo ambiente urbano que se formava. Assim surgiu o flâneur (Baudelaire), por exemplo; pois, ao deslocar o espetáculo da fantasia, das narrativas míticas, para os acontecimentos corriqueiros, o próprio cotidiano tornou-se a novidade. De modo inevitável, o aparato cinematográfico surgiu nesse ambiente.
Assim, o cinema é fruto de um contexto em que a captura do instante, do cotidiano, revelava a novidade e uma mudança de Era. Uma constatação que demarca correlações entre a cidade – através de uma experiência urbana oriunda da vida moderna – e o cinema. Por exemplo: a experiência “urbana-moderna” inaugurou a mudança sensorial que permitiu o desenvolvimento do espectador cinematográfico. Ora, ao se referir ao cotidiano urbano Benjamin cunhou a noção de choque; que, nesse caso, se refere ao fato de o habitante da metrópole ter passado a absorver um alto grau de informações através de cartazes, fachadas, etc. E esse aspecto favoreceu o desenvolvimento de um tipo específico de percepção. Articulada, inevitavelmente, pela relação dual entre distração e atenção (Crary). E é justamente essa percepção que se relaciona com a experiência do espectador cinematográfico.
Imaginemos esse espectador.
Ele se encontra distraído para o seu entorno justamente pelo alto grau de atenção empreendido para a recepção da mensagem fílmica. Tal qual o transeunte da metrópole, nesse caso, que, de modo inédito até então, precisou desenvolver a capacidade de estar atento aos perigos da cidade. Desse modo, tanto o transeunte, como também o espectador, empreendem uma atenção seletiva, enquadrada, e que, ao mesmo tempo, favorece a distração. De modo que, ao passo em que a paisagem repleta de estímulos visuais ajudou a desenvolver um tipo de atenção específica, a experiência do ser, no âmbito do espaço moderno urbano, inaugurou a percepção necessária para o desenvolvimento do espectador de cinema. E essas experiências se relacionam em aspectos diversos.
É o que ocorre, por exemplo, no caso do passageiro de trem que pela primeira vez experimentou um olhar enquadrado e móvel; onde imagem e movimento se intercambiam e produzem sentidos. E foi justamente no cinema que esses dois elementos se constituíram como característica essencial e específica de uma linguagem que se estabeleceu, não por acaso, na modernidade. É por isso que Régis Debray afirma que o cinema se consolidou como a arte dominante do século XX: como nenhuma outra, na verdade, a linguagem cinematográfica materializou a experiência “urbana-moderna”.