Com imagens em preto e branco, sequência de planos curtos, e frescor da juventude, desde o início, Frances Ha não deixa dúvida: há, em sua unidade narrativa, um diálogo com o cinema francês. Um diálogo, nesse caso, com a Nouvelle Vague. Ainda nos primeiros minutos, por exemplo, há uma sequência de planos de Frances e Sophie em que elas cozinham, fumam, jogam algum jogo de tabuleiro etc. E o desenvolvimento da sequência cria uma certa ruptura da unidade de tempo. Exatamente como ocorre quando, em Acossado, por exemplo, Michel e Patrícia passeiam de carro por Paris.
Desse modo, tanto no filme de Noah Baumbach, como no clássico de Godard, não podemos conjecturar a passagem de tempo. Em Godard, é o recurso do jump cut que cria a desordem temporal: durante a sequência, não é possível afirmar se o passeio durou uma tarde ou apenas alguns minutos. Por sua vez, em Frances Ha, a sequência de planos curtos, ambientada por um som extra-diegético que cria uma atmosfera de videoclipe, não permite definir se aquelas imagens se referem a dias, semanas etc.
Pela mesma trilha, em certo momento do filme de Baumbach a relação entre Frances, Lev e Benji remete aos universos de Jules e Jim e Bande à Part. No entanto, como o próprio título deixa claro, Frances Ha não é um filme francês. Por mais que se pareça – como a própria grafia do nome da personagem principal que remete ao gentílico da França – há um detalhe que faz toda diferença: o sinal circunflexo (tendo em conta o português). No caso da narrativa, em específico, esse sinal é outro: a ausência da liberdade transgressora como consequência de uma perspectiva existencialista.
Vale lembrar, por exemplo, que o existencialismo, que atravessa as obras de Sartre e Beauvoir, e a literatura de Camus, pode ser caracterizado pela ideia de atitude existencial. Fruto, nesse caso, de desorientação e confusão face a um mundo aparentemente sem sentido. Diferentemente dos filmes da Nouvelle Vague, todavia, em Frances Ha a personagem principal não é tomada por uma atitude existencial. Atitude essa, inclusive, que demarca, por exemplo, a trajetória de Ferdinand em Pierrot le Fou e o cotidiano de Meursault em O Estrangeiro. Na obra de Baumbach, como disse, diferentemente dos clássicos do cinema francês, a atitude existencial não é uma opção. E a liberdade transgressora, por conta disso, não é a saída encontrada por Frances para driblar as dificuldades do cotidiano. Ainda que a personagem encontre uma série de barreiras para alcançar os seus objetivos, no jogo narrativo não há uma ruptura total com a sua “realidade”.
O mais próximo de uma transgressão, dentro dos acontecimentos diegéticos, é a ida de Frances a Paris em uma viagem que, aparentemente, não faz muito sentido. No entanto, do ponto de vista da narrativa, trata-se de uma sequência, que, sem dúvida alguma, tem um valor incrível de metáfora: tal qual a sua personagem central, ainda que Frances Ha estabeleça um diálogo com a França (no caso com o cinema moderno francês), a sua base, a sua raiz, está nos Estados Unidos. E, no caso do cinema, em específico, isso quer dizer que a sua raiz está no cinema clássico. Frances vai à França e retorna. Exatamente como faz Baumbach; pois, ainda que, em diversos momentos, seja possível perceber a influência da Nouvelle Vague em Frances Ha, o seu final rompe totalmente com a ilusão de que a obra, estruturalmente, mantém uma unidade narrativa moderna. Não há um final em aberto, confuso, e que apresente uma certa desordem psicológica. Pelo contrário. O que vemos é Frances, após enfrentar uma série de desencontros, finalmente encontrar uma trilha profissional segura e estável. Um clássico final de matriz hollywoodiana.