Lançado em 2002, o filme de Beto Brant explora o espaço urbano como um personagem; pois, através de ruas, morros, prédios, bares, casas noturnas e apartamentos, a cidade – ao demarcar um espaço cindido, fragmentado em porções divergentes de classe – participa do enredo. De modo que, de maneira estrutural, uma visão dualista de oposição esquemática entre centro e periferia guia a narrativa sobre a cidade. Uma polarização, nesse caso, que opera por meio de imagens que revelam um espaço cindido, fragmentado, e a ação da diegese ocorre justamente nesse cenário coberto por espaços de inclusão e de exclusão da vida urbana.
São imagens que expõem a polaridade da experiência múltipla da vida na cidade e demonstram a sua heterogeneidade. E essa diversidade, no filme, é sentida em aspectos diversos que perpassam pelos hábitos culturais e pela estruturação das superfícies urbanas. Centro e periferia compõem realidades distintas de uma mesma cidade. Por exemplo: na representação de Brant, a organização da vida nos territórios centrais perpassa pela lógica da divisão do trabalho, pela dinâmica de uma solidariedade orgânica (Durkheim), e a própria construtora é uma alegoria que insere o centro nessa lógica. Por outro lado, nos espaços periféricos, prevalece a solidariedade mecânica (Durkheim). Por isso, a polarização da metrópole, na obra de Brant, é visível tanto na estrutura física dos espaços, como também nas relações sociais dos sujeitos que habitam cada uma das porções da cidade.
Por sua vez, nenhuma cena explicita melhor essa ideia de cidade dividida do que a sequência em que Anísio e Marina – filha de Estevão que, sem saber quem é Anísio, se envolve com ele – decidem passear na periferia. Há, na cena, a exposição crua de dois mundos distintos. A sequência é composta por trinta e sete planos divididos em seis minutos e trinta e dois segundos. Além disso, há, também, duas partes. Uma primeira que contém cinco minutos e um segundo e apenas quatro planos. Nela, Anísio chega à casa de Marina. E uma outra que é composta por trinta e três planos divididos em um minuto e trinta e um segundos.
A sequência é montada com cortes rápidos que produzem uma estética de videoclipe, e, ao mesmo tempo, permitem explorar ao máximo o ritmo da paisagem urbana. Nela, o carro trafega do centro à periferia, e, de modo extra-diegético, a canção Na zona sul, de Sabotage, é tocada. E a letra da canção, nesse caso, coaduna com o aspecto imagético. Dessa forma, Brant explicita uma cidade desigual, uma sociedade marcada pelo subdesenvolvimento e pela miséria generalizada.