De modo geral, chama-se de Escola de Frankfurt um coletivo de pensadores alemães formados, sobretudo, em sua primeira fase, por nomes como Adorno, Horkheimer, Marcuse, Benjamin (alguns contestam a sua presença) etc. Em Benjamin, por exemplo, encontra-se uma análise complexa dos meios de comunicação de massa (cinema e rádio à época). Nesse caso, como aspecto positivo, ele apontava o fato de que as condições essenciais da máquina e do modo de vida urbano estavam criando uma estética em que se revelavam um novo tempo e um novo horizonte cultural para a humanidade: pela primeira vez, os privilégios culturais, que, durante muito tempo, a elite social e econômica haviam usufruído, estavam com os dias contados; pois, a reprodutibilidade técnica – apesar da questão da aura – permitia uma democratização dos bens culturais.
Diferentemente de Benjamin, porém, Adorno e Horkheimer extraíram uma outra análise do fenômeno. Que resultou, inclusive, na noção de Teoria Crítica. Para compreendê-la, no entanto, é preciso entender o contexto de sua formulação. A modernidade enquanto projeto, como discutem, por exemplo, Habermas e Berman, foi formulada com a promessa de superação das desigualdades sociais e das dominações que demarcaram as sociedades anteriores. Na prática, todavia, essa perspectiva falhou ao passo em que se proliferou o ideal de propriedade privada e desde então se criou uma hierarquia valorativa com novas formas de dominação e desigualdades. A Teoria Crítica, nesse caso, que tem suas raízes atreladas ao marxismo, surgiu como perspectiva analítica dessas novas formas de dominação.
Basicamente, é possível afirmar que a orientação para a emancipação é o princípio fundamental da Teoria Crítica. Trata-se, assim, de uma teoria que lida de forma reflexiva com os próprios contextos em que é formulada e aplicada. Característica que fez emergir, por exemplo, a necessidade de um diagnóstico acerca dos entraves na sociedade moderna para o desenvolvimento emancipatório. Nasceu, assim, a noção de Indústria Cultural. Que fundamentalmente refere-se a uma conversão da cultura em mercadoria. A expressão, desse modo, designa uma prática social através da qual a produção cultural e intelectual passou a ser orientada em função de sua possibilidade de consumo e mercado.
Os frankfurtianos foram os pioneiros em perceber que na sociedade moderna instituições como a família e a escola, por exemplo, estavam perdendo sua influência “socializadora” para os meios de comunicação de massa. Percebendo, assim, que o capitalismo havia rompido com os limites da economia ao penetrar no campo da formação da consciência. No livro Dialética do Esclarecimento, por exemplo, defende-se a tese de que nos regimes democráticos – tendo como modelo a sociedade norte-americana dos anos 1940 – também há tendências totalitárias: nas sociedades capitalistas avançadas a população é constantemente mobilizada a se engajar nas tarefas necessárias à manutenção do sistema econômico e social através do consumo estético massificado articulado pela Indústria Cultural.
Dessa forma, diferentemente do que defendeu Benjamin, Adorno e Horkheimer postularam que o conteúdo libertador dos meios de comunicação de massa, inclusive do cinema, dentro do conjunto da Indústria Cultural, se vê freado, e, ao invés do conhecimento emancipador em relação às várias formas de dominação, os meios técnicos permanecem acorrentados à ordem social dominante. Nesse sentido, a Indústria Cultural é uma prova de como as consequências do Iluminismo se transformaram em novas expressões de dominação: a autonomia e a independência do indivíduo, sobretudo sob condições de um capitalismo monopolista, deixaram de existir; ou seja, em muitos casos, o indivíduo deixou de ter um pensamento próprio e acabou por se adequar às normas e padrões ditados pela Indústria Cultural e por modelos prontos de como ser e agir.
Por exemplo: imaginemos um sujeito como Marlon Brando, no início do século XX, em uma atuação nos diversos filmes que protagonizou. Seu personagem chega em casa, abre a geladeira, e pega uma garrafa de Coca-Cola. Esse simples gesto retrata elementos que fazem parte do cotidiano moderno. Ao mesmo tempo, a geladeira e a garrafa de refrigerante, cada vez mais, tornam-se comuns nos lares. Nesse sentido, o imaginário moderno, que no caso acima perpassa pelo uso da geladeira e pela garrafa de Coca-Cola, alimenta o universo diegético e de forma concomitante o cinema propaga esse imaginário. A Cultura de Massa, nesse caso, produto da Indústria Cultural, assumiu um caráter ideológico ao ditar os esquemas do que é e do que não é aceito no âmbito da sociedade.
Ainda assim, contudo, uma primeira questão, quando se pensa na relação entre cinema e Escola de Frankfurt, é compreender que, quando autores como Adorno e Horkheimer, principalmente no texto O Iluminismo Como Mistificação das Massas, trataram sobre o cinema; inevitavelmente falava-se do cinema industrial norte-americano. Além disso, de um contexto em que a prática da integração vertical (controle irrestrito de toda cadeia produtiva do audiovisual) resultava em uma produção cinematográfica pouco diversa em que prevalecia a representação de uma certa virilidade masculina e branca, por exemplo, somada a um olhar objetificado do corpo feminino (em certo sentido, a série Hollywood aborda esse contexto). Tudo isso em uma sociedade pautada pela lógica do consumo exacerbado.
Esses arquétipos, evidentemente, traduziam e representavam o que era ser homem e mulher na sociedade mais “avançada” do capitalismo global. E isso, sem dúvida alguma, propagava esse modo de vida específico em uma escala nunca antes imaginada. De modo que a moral norte-americana, centrada no consumo e na exaltação de determinados comportamentos sociais, passou a se posicionar como modelo dominante. E o cinema, dentro da lógica frankfurtiana, assumiu a centralidade desse processo. Essa realidade prevaleceu, praticamente sem permitir a inserção de um discurso contraditório, até o surgimento das leis, que, com o objetivo de travar o monopólio comercial, à época, passaram a proibir a prática da integração vertical. Foi justamente isso que na década de 1970 permitiu, por exemplo, que um filme como Um Dia de Cão (Sidney Lumet) fosse produzido.
Essa contextualização é importante justamente para demonstrar o contexto em que Adorno e Horkheimer falaram da Indústria Cultural, e, inevitavelmente, de modo privilegiado do cinema. A falta de conhecimento sobre esse espaço-tempo, inclusive, ainda hoje, gera uma certa descaracterização do argumento. No entanto, ainda assim, é preciso salientar que as análises de Frankfurt permanecem aplicáveis. Por exemplo: apesar de algumas leis de combate a monopólios, em um contexto específico, terem amenizado um cenário de homogeneidade representativa, isso não levou, inexoravelmente, ao nascimento de um cinema industrial diverso.
Ora, em muitos casos, o cinema norte-americano nunca deixou de ser uma “arma” ideológica. É verdade, contudo, que a “abertura” do processo produtivo permitiu a exposição do contraditório. E filmes como Nascido para Matar (Kubrick) e Apocalypse Now (Coppola) atestam isso. Todavia, as discussões por um cinema mais diverso, mais inclusivo, têm ganhado corpo mesmo é nos últimos anos. E toda essa discussão só tem reforçado a contemporaneidade das ideias de Adorno e Horkheimer: ainda que as análises não levem em conta uma recepção crítica e resistente como postularam, mais à frente, por exemplo, os teóricos dos Estudos Culturais, os frankfurtianos foram pioneiros em conceber a cultura como máquina ideológica. O que levou, inevitavelmente, a uma compreensão da cultura como um campo de disputas e batalhas simbólicas. Uma discussão que, sem dúvida alguma, tem ganhado força no nosso tempo. Porém, nesse caso, evidentemente, não como uma ruptura de um processo histórico. Como quer fazer crer certos pensadores de uma dita ordem social pós-moderna. Mas, na verdade, como parte de uma linha “evolutiva” moderna (evolutiva aqui não tem o sentido de um caminho inevitável). Fruto, nesse caso, de um embate histórico / social dialético.