O cinema surgiu no século XIX (1895) em um momento em que a sociedade ocidental passava por um período de reformulação. Ele é fruto de um contexto em que mudanças tecnológicas proporcionaram diferentes maneiras de viver e conceber o mundo. No livro O cinema e a invenção da vida moderna, por exemplo, diversos pesquisadores sintetizam a experiência do surgimento do cinema ao estabelecer conexões entre o nascimento do aparato cinematográfico e a conjuntura social moderna.
Ele, o cinema, não surgiu como o meio que conhecemos hoje, com linguagem bem definida e com narrativas complexas. Na verdade, o primeiro cinema, como aponta Flávia Cesarino Costa, tinha como função o registro do cotidiano, e, basicamente, se misturava a outras formas culturais. Era um cinema de mostração (Costa), sem necessidades narrativas. Produzido de maneira individual, sem nenhum profissionalismo, e exibido em casas de show (vaudevilles) junto a espetáculos musicais e circenses.
Era um cinema que captava a Chegada do trem na estação e a Saída dos operários da fábrica com o único objetivo de demonstrar, com certo ar curioso, as mudanças estruturais que a sociedade da época vivia; pois, nessas obras inaugurais, os irmãos Lumière posicionaram a câmera com a pretensão única de captar o espaço cotidiano de uma Paris que se desenvolvia de maneira moderna. Tratava-se, desse modo, da era do cinematógrafo (Morin).
Por sua vez, em O cinema ou o homem imaginário, por exemplo, Morin estabelece algumas diferenciações entre o cinematógrafo e o cinema; apontando que o primeiro se caracterizava como aparato de registro do cotidiano e o segundo, por outro lado, como uma evolução do primeiro. Uma evolução, nesse caso, baseada em sua transformação em indústria e fundada no desenvolvimento de uma linguagem própria. No entanto, ainda assim, essa passagem do cinematógrafo para o cinema, na análise de Morin, a meu ver, deixa de lado um aspecto importante: o fato da formação de uma indústria cinematográfica, atrelada aos mecanismos da Indústria Cultural (Adorno; Horkheimer), ser, na verdade, uma consequência inevitável do contexto de surgimento do próprio cinema.
Como apontado, o cinema surgiu (o cinematógrafo) no contexto da sociedade moderna; a sua transformação em indústria, com ampla divisão de trabalho e produção centralizada, nesse caso, era o caminho natural para o desenvolvimento do meio. De modo geral, a sociedade moderna é fruto de uma mudança social estrutural, uma mudança iniciada com o processo de centralização do poder e formação do Estado moderno (Elias). Foi nesse contexto que surgiu o cinematógrafo (que mais tarde viraria cinema). Em seus primórdios, o cinema se desenvolveu em um tipo de sociedade com características que vão desde a divisão do trabalho (Durkheim) até a concentração dos meios de produção (Marx). Nesse caso, ainda que Morin não faça esse paralelo, a passagem do cinematógrafo para o cinema, nada mais é, na verdade, do que a adequação do meio aos mecanismos sociais do espaço-tempo de sua gênese.