Chama-se de intertextualidade (Kristeva) e/ou dialogismo (Bakhtin) a capacidade de um texto – seja ele imagético, escrito, falado etc. – remeter, conscientemente ou não, a um outro discurso. Cabendo ao leitor, espectador ou ouvinte, muitas vezes, a tarefa de reconhecimento da citação. Basicamente, há dois tipos de intertextualidade: a) explícita e b) implícita.
A explícita retoma passagens de outros discursos referenciando-o. Como acontece, por exemplo, em artigos acadêmicos. A implícita, por sua vez, é mais sutil. Menos visível. Sendo necessário, nesse caso, para o seu reconhecimento, que o receptor compartilhe de uma mesma memória discursiva do autor.
Pelo mesmo caminho, a noção de Estética refere-se ao domínio da recepção. Precisamente a uma ideia de percepção pelos sentidos. Uma forma de atividade que envolve ação de leitura, interpretação, avaliação e fruição. Assim, toda crítica, por exemplo, é o resultado de uma experiência estética. E a constituição desse tipo de experiência compreende duas dimensões: uma individual – a relação do sujeito com a obra que envolve as referências culturais e intelectuais do ser – e outra coletiva, que, para o reconhecimento das referências, requer o compartilhamento de uma memória simbólica. Tal qual, nesse caso, a intertextualidade implícita.
No cinema, por sua vez, não é difícil encontrar filmes em que seus discursos remetem a outros. A cena da escadaria de Os Intocáveis (Brian de Palma), por exemplo, em que um carrinho de bebê avança de maneira desenfreada pelas escadas, é uma clássica referência ao filme O Encouraçado Potemkin (Eisenstein); assim como o banho de sangue de O Som ao Redor (Kleber Mendonça Filho) que é uma referência à narrativa de O Iluminado (Kubrick).
Ainda assim, entre os filmes que me recordo neste momento, sem dúvida alguma, Os Sonhadores é um dos que trabalham melhor a questão da intertextualidade. A obra de Bertolucci é um grande mosaico de citações. Me atendo apenas ao cinema, é possível, por exemplo, perceber referências aos filmes Paixões que Alucinam (Sam Fuller) e Rainha Christina (Rouben Mamoulian) etc.
Mais do que qualquer outro, porém, Os Sonhadores é uma homenagem ao cinema de Godard. Primeiro pelas citações a filmes como Acossado e Bande à Part, por exemplo. Respectivamente nas cenas em que Matthew pergunta aos irmãos (Theo e Isabelle) se eles nasceram em Paris. E, prontamente, Isabelle responde: nasci na Champs-Élysées e minhas primeiras falas foram New York Herald Tribune; e no momento em que Theo, Matthew e Isabelle correm pelo Louvre em referência à clássica cena de Bande à Part.
No entanto, para além da intertextualidade por meio de cenas e frases que remetem a obras de Godard, Bertolucci cria, em seu filme, uma atmosfera libertária de contestação dos valores hegemônicos que remetem ao universo do diretor de Acossado: ninguém representou melhor o espírito libertário da década de 1960 e o desgosto com o status quo que Godard. E é justamente em sua fonte que Bertolucci se inspira para composição do universo libertário e revolucionário de Os Sonhadores. Por isso, mesmo que não seja na forma, na linguagem, ainda assim, em seu universo diegético, Os Sonhadores é uma linda homenagem ao mestre da Nouvelle Vague.