A primeira vez que vi O Desprezo – há alguns bons anos – o amigo que o indicou me disse: “é fantástico! Todavia, nem parece um filme de Godard”. Referindo-se, evidentemente, à ausência das quebras de raccord que tanto marcam Acossado e Pierrot le Fou, por exemplo.
A trajetória dos cineastas da Nouvelle Vague, no entanto, nos mostra o contrário: O Desprezo não é só um filme de Godard (há, por exemplo, o uso marcante das cores como em Pierrot le Fou), é, antes disso, como nenhum, um retorno à sua própria origem e também à essência da Nouvelle Vague.
Ora, Godard e os outros membros da Nouvelle Vague iniciaram na atividade cinematográfica como críticos da Cahiers du Cinéma. Período marcado pela defesa de um cinema de autor em detrimento de um modo de produção representado, entre outros, pela figura do produtor e sua interferência no processo criativo.
O Desprezo é justamente isso. É um manifesto em defesa da política dos autores, basta observar, por exemplo, a situação que Fritz Lang enfrenta no âmbito do universo diegético para perceber esse aspecto. Já no início do filme, quando filmada em três cores, vermelho, branco e azul, Camile aparece como uma alegoria que representa a França. Do mesmo modo, o filme rodado por Fritz Lang se passa na Itália. França e Itália são os berços da Nouvelle Vague e do Neorrealismo. Dois movimentos cinematográficos autorais, essências de um ideal de cinema moderno. O Desprezo, desse modo, demarca o encontro entre duas fases de Jean-Luc Godard: o crítico e o cineasta.