A edição de dezembro/janeiro do Clube da Análise Fílmica teve como tema o cinema de Kubrick. E a última aula foi sobre Laranja Mecânica. Há várias discussões que atravessam a obra. Por exemplo, em uma das aulas abordamos a representação do Estado na filmografia de Kubrick. Laranja Mecânica estava lá. Em outra, o papel da ciência em seus filmes, e, mais uma vez, Laranja estava presente.
Mas na última aula, em específico, trabalhei com a ressignificaçao da utopia modernista, do ponto de vista da Arquitetura, no filme. Sendo assim, a questão central foi demonstrar como Kubrick se apropriou de um projeto arquitetônico modernista e o transformou em uma distopia.
Laranja Mecânica se passa em uma Inglaterra do futuro, e, para ambientar o espaço, Kubrick optou por uma série de projetos modernistas. Formas geométricas puras, móveis essencialmente funcionais – marginalizando, assim, o caráter decorativo dos objetos -, entre outos, estão entre as características das “máquinas de habitar” de Laranja Mecânica.
A grande questão é que todo esse arranjo fez parte de um projeto utópico, que acreditava ser possível racionalizar o espaço urbano, e, ao mesmo tempo, apagar as contradições das metrópoles, por meio de um novo modelo de cidade.
Uma utopia construída como antítese da cidade industrial – da primeira metade do século XIX, um espaço marcado pela degradação, pela sujeira, pela miséria absoluta – e que foi encabeçado por Le Corbusier e pelos membros da Bauhaus, por exemplo.
É tendo toda essa discussão em mente que Kubrick se apropria da arquitetura modernista e a transforma em distopia. A cidade de Laranja Mecânica não é um espaço clean, ordenado e sem contradições de classe, por exemplo. Muito pelo contrário. As construções modernistas, imponentes, coexistem com o lixo, a violência e a desordem.
Coerente com a própria obra – que é um olhar crítico para os pilares do projeto moderno – o espaço urbano no cinema de Kubrick não poderia ser representado de outro modo.